Jogos

Vício em apostas esportivas pode ser associado à dependência química

Entenda como a compulsão se desenvolve e seus riscos à vida dos apostadores

Foto: Carlos Queiroz - DP - Apostas esportivas também podem ser chamadas de bets

Por João Pedro Goulart
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(Estagiário sob supervisão de Lucas Kurz)

As apostas não são uma novidade na vida dos brasileiros. Historicamente, há inclinação favorável ao gosto por jogos de azar. Dos cassinos da década de 30 às casas de apostas na internet do século 21, as apostas sempre tiveram seu espaço. Ocorre que a generalização da jogatina, que pode soar repentina para alguns, se deve a aspectos que viabilizaram a modernização. O principal deles foi a digitalização dos jogos de azar, fazendo com que sua difusão fosse mais acelerada, o que culminou também para novas casas emergirem em aplicativos de celular.

A partir daí, as apostas online encontraram terreno fértil para uma nova popularização no País, tornando-se uma prática comum nas camadas mais jovens da sociedade. Um estudo da BBC publicado na revista The Lancet Psychiatry, revelou que apostar, em indivíduos saudáveis, é mais comum em pessoas entre 17 e 27 anos e diminui à medida que envelhecemos.

No escopo das apostas esportivas, também conhecidas como bets, a quantidade de apostadores é superior, o que no País do futebol não é uma surpresa. No entanto, o hábito tem ganhado destaque de uma forma negativa e preocupante, visto que muitos usuários desenvolvem o vício desenfreado nos jogos, o que pode ser perigoso. A estimativa mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016, mostrou que o saldo negativo global dos apostadores em um ano se aproximava de US$ 400 bilhões.

Para Gustavo Sousa da Costa, psicólogo clínico em Pelotas, o vício é caracterizado no prejuízo ao cotidiano da pessoa e também por episódios extremos de condicionamento emocional. "Um dos principais pontos é que a pessoa passa a dedicar mais tempo de sua vida para aquela situação, precisando se manter atualizada dos resultados. Porém, a pessoa acaba não percebendo de forma clara o prejuízo que isso vem causando em sua vida. Além disso, a carga de efeitos orgânicos no cérebro da pessoa, como a conquista de um bom resultado ou a frustração pela perda, fazem com que a pessoa fique por vezes eufórica, animada ou triste", explica o psicólogo.

O especialista ressalta que embora não seja um vício químico como algumas drogas, existe um quadro de abstinência relacionado ao uso intensivo de apostas esportivas. Segundo ele, esse quadro é causado pela alteração de neurotransmissores no momento que a pessoa não tem acesso aos jogos, e também psicologicamente, por acreditar que perderá alguma "nova oportunidade", o que aumenta os níveis de estresse. "O transtorno em decorrência do jogo online possui características de algumas substâncias, como abuso, tolerância, dependência e até abstinência. Alguns estudos apontam semelhança na ativação cerebral entre vícios de substâncias e de jogos, como alterações no sistema de recompensa, na tomada de decisão e até mesmo na regulação da resposta às emoções", diz.

Também chamado de ludomania, o vício em jogos, assim como em outros vícios, pode trazer inúmeros riscos às emoções, que afetam a condição psicológica em geral. Emocionalmente, a pessoa pode se sentir sozinha em alguns momentos, uma vez que o convívio social pode ser prejudicado, ou ainda afastar pessoas quando ocorre algum caso de irritabilidade extrema. Em alguns casos, o lado financeiro é seriamente afetado com consequentes perdas de dinheiro, o que influencia mais ainda nos aspectos psicológicos, criando um ciclo onde a pessoa tenta recuperar os valores perdidos por meio de novas apostas.

Desenvolvimento do Vício
A evolução do vício em alguns estágios, segundo o psicólogo:
1. A pessoa conhece uma plataforma de apostas e faz uso recreativo.
2. Recebe um bônus se colocar uma quantia de dinheiro. Ela utiliza mais frequentemente a plataforma.
3. Passa a acompanhar os resultados e tenta estudar a lógica do jogo.
4. Com o tempo, tenta ganhar mais do que perder. Neste ponto o cérebro já leva a entender que é interessante a sensação de ganhar dinheiro na aposta, e a pessoa quer reverter cada perda.
5. Para de conviver ou fazer algo para acompanhar uma aposta, o que caracteriza uma dependência.
6. As perdas vão crescendo e ela vai pensando em recuperar, injetando mais dinheiro.
7. Fica irritada, ansiosa e perde o controle de pensamentos pela sensação de estar perdendo chances.

"Liberando mais neurotransmissores como a dopamina, que eleva níveis de excitação do jogador, faz com que a pessoa tome mais decisões arriscadas. Em caso de perdas, a pessoa tentará recuperar o prejuízo, para não ficar com o sentimento de fracasso, o que pode gerar mais perdas ainda", completa o psicólogo.

Tratamento
O especialista esclarece que os procedimentos de forma científica ainda não compreendem um tratamento padrão. No contexto atual, ele recomenda a psicoterapia, utilizando a terapia cognitivo-comportamental, por onde será possível lidar com transtornos de controle de impulso e padrões de pensamento, bem como por já ser uma linha terapêutica consolidada como auxílio no tratamento de dependência de substâncias. Conforme a gravidade do caso, também pode existir a necessidade de tratamento psicofarmacológico ministrado por psiquiatra.


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